Pequena África: tour da herança africana no Rio de Janeiro

Vibrante, a Pequena África recebeu mais visitas do que o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar em 2023, conforme levantamento da Secretaria de Turismo da Prefeitura do Rio. Na carona disso, vem se revelando cada vez mais “gourmetizada” depois das obras do Porto Maravilha e da criação de um Circuito de Herança Africana. Considerada um destino afrofuturista carioca, são 15 pontos que compõem a região, sendo ao menos seis com foco em comida, diversão e ancestralidade.
Localizada na zona portuária do Rio, a região foi apontada pela revista TimeOut como uma das mais “descoladas” do mundo. Confira neste post, um pouco da história desse pedacinho tão importante da nossa cidade maravilhosa e de bônus, os melhores lugares localizados por lá que oferecem culinária e entretenimento de altíssima qualidade recheados de muita cultura afro-brasileira.

Afroturismo: destinos e negócios afrocentrados. 
Afrofuturismo: movimento cultural, estético e político que se manifesta no campo da literatura, do cinema, da fotografia, da moda, da arte, da música, a partir da perspectiva negra, e utiliza elementos da ficção científica e da fantasia para criar narrativas de protagonismo negro, por meio da celebração de sua identidade, ancestralidade e história.

A vertente do turismo cultural que vem ganhando outros sabores com adeptos na gastronomia inclui experiências e destinos antirracistas, uma das prioridades da Embratur, segundo anunciou Marcelo Freixo. “É um segmento compatível com o que o século 21 exige de nós, sermos antirracistas, valorizando e respeitando a cultura do povo negro, um grande negócio, que gera emprego e renda, e empodera empreendedores negros.”

No Rio, entenda por isso a região conhecida como Pequena África, termo cunhado pelo sambista Heitor dos Prazeres (1898-1966) para se referir à área abrangida pelos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo, na zona portuária carioca, ocupada por uma população majoritariamente negra.

Séculos depois de receber a maior quantidade de pessoas sequestradas e escravizadas, a região entrou no mapa da Unesco (que registrou o Cais do Valongo como Patrimônio da Humanidade) e da descolada revista inglesa Time Out que apontou naquele CEP bares charmosos e lugares fascinantes da diáspora africana e embrião do samba. Tudo isso aos pés da favela da Providência, a mais antiga da cidade.

Basta um giro para sentir o esplendor da Pequena África e a exuberância irreprimível dos cariocas que vivem ali. Sorrisos generosos, um banquete resiliente e, sobretudo, ancestral. Axé!

Cais do Valongo, patrimônio mundial Unesco

O principal ponto de desembarque e comércio de africanos escravizados nas Américas funcionou entre 1811 e 1831, ano em que foi proibido o tráfico transatlântico. Neste período, cerca de um milhão de pessoas desembarcaram no Valongo para serem vendidas e transportadas a diversos pontos do país. O sítio foi revelado em 2011, durante as escavações arqueológicas desenvolvidas para a implementação do projeto “Porto Maravilha”. Em 2017, a Unesco incluiu o Valongo na lista do Patrimônio Cultural Mundial, por reconhecer nele “a mais importante evidência física associada à chegada histórica de africanos escravizados no continente americano”.

Por ali se encontra o Gracioso, bar e restaurante fundado por espanhóis em 1960, com a família no comando até hoje. O carro-chefe são os bolinhos (milho e camarão), mas também o cozido, a feijoada, o risole e um prato que é a cara do Rio: filé à Oswaldo Aranha (mignon alto coberto de alho frito, servido com arroz e batata.

Local: Rua Sacadura Cabral, 97 – Saude RJ

Pedra do Sal, monumento histórico e berço do samba

O mais antigo bairro negro continuamente habitado no Rio, oficialmente reconhecido como um quilombo em 2005, é uma forte fonte de cultura afro-brasileira. A Pedra do Sal é reconhecida como o local de nascimento do samba e do Carnaval. O lugar recebeu seu nome devido à pedra enorme que se encontra no local, usada para secar e vender o sal na época em que as águas da baía ainda alcançavam as suas margens.

Acarajé da Casa Omolukum / Bruno Calixto

A Pedra do Sal, nos séculos 19 e 20, foi destino para as quituteiras, as “tias baianas”, além dos primeiros terreiros de candomblé da cidade, assim como o surgimento do samba carioca e os primeiros ranchos e cordões carnavalescos. Vêm dos tabuleiros destas mulheres — e também de alguns homens — os quitutes mais aclamados fora da Bahia, e um dos nomes responsáveis é a Casa Omolokum, ambiente acolhedor de culinária afro. Entenda por isso acarajé, farofa, vatapá e muito, mas muito dendê, ao brinde de canela, laranja e cachaça.

Por ali também tem o Da Pedra, com cardápios e comidinhas brasileirinhas para abastecer as longas rodas de samba. Faz sucesso o Pequena África, espetinho de jiló encapado de bacon com linguiça, quiabo e frango, servido com polenta mole e farofa de calabresa.

Casa Omolokum: Rua Tia Ciata 51 – Saúde
Da Pedra: Rua Argemiro Bulcão 33 – Saúde

Morro da Conceição, um mix de culturas: italiana e nordestina

Que tal começar esse sábado com uma sugestão de entrada refrescante no novíssimo Café Tero: ceviche de frutos do mar e da terra. Razão que injeta endorfina para esticar o roteiro em um giro pelo Morro da Conceição, onde é possível apreciar as construções do período colonial, cores e uma vista incrível do Centro do Rio.

Café da manhã, almoço e fim de tarde com drinques. É um sucesso esse point onde tem até uma carta de vermutes artesanais, além de trio de tango à noite. Ideia do mixologista Nicola Bara (do Micro Bar, no Leblon) junto com o chef Tobia Messa (do Flor do Céu, na Chácara do Céu), ambos italianos, para a casa charmosa com acesso via Praça Mauá, de ambiente bucólico, menu enxuto, com enfoque em massas frescas.

Num outro acesso ao morro (via Pedra do Sal), fica o Quitutes da Luz, nome carinhoso para a cozinha da dona Luziete, que era costureira, mas quituteira de mão cheia, e passou a se dedicar integralmente à culinária de sua região, o Nordeste. O baião de dois da dona Luziete não tem igual, é referência na Pequena África.

Café Tero: Ladeira Felipe Neri 11 – Loja A – Saúde
Quitutes da Luz: Rua do Jogo da Bola 117 – Saúde

Largo de São Francisco da Prainha, o maior point da Pequena África

Popularmente conhecido como Largo da Prainha, está situado na rua Sacadura Cabral, no sopé do morro da Conceição. Antes da construção do porto do Rio de Janeiro, existia ali uma pequena praia, que se estendia até onde hoje é a praça Mauá. Ao centro, a estátua de Mercedes Baptista, a primeira bailarina negra do corpo de balé permanente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mercedes fundou o Ballet Folclórico que levava seu nome, difusor mundial de performances de terreiros e paradigma da luta antirracista no campo da cultura. O largo e seus arredores possuem diversos bares e restaurantes e intensa vida diurna e noturna. Um deles, o Bafo da Prainha, atrai multidões com diversas opções de carnes na chapa. Peça o cupim de colher com arroz de brócolis, molho à campanha, farofa e batatas portuguesas), baldes de cerveja, rodas de samba e, se der sorte de conseguir um lugar, o vizinho casa Porto ao lado, com caldinho de feijão, batidinha e PF servido na panelinha, antes de cair no samba com o grupo Mulheres da Pequena África aos sábados, às 18h. Colado tem o baiano No Dois de Fevereiro, com pratos de carne de sol, aipim na manteiga e cuscuz.

Seguindo em direção à praça Mauá, tem ainda o tradicional Angu do Gomes e o G&G Gourmet. O primeiro dispensa apresentações, onde a mistura quentinha de mingau de milho, miúdos de boi e ou frutos do mar ganhou fama e conquistou famosos como Tom Jobim, Beth Carvalho e até o ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Antes de se jogar, não deixe de pedir o pastel de queijo com massa de angu. No segundo, o bobó mais famoso da Pequena África resultado da receita da chef Geórgia, que evoluiu para um bolinho durante o Comida di Buteco e fez bonito.
A noite ferve na Sacadura Cabral, começando nas rodas de samba da Pedra do Sal e – para o público LGBTI+ – desembocando na pista eletrônica The Home (ex-The Week), única casa de house/tribal do Rio (misto de música africana e a eletrônica, o som “bate-cabelo”). Fervo com axé.

Bafo da Prainha: Largo São Francisco da Prainha 15 – Saúde
G&G Gourmet: Rua Sacadura Cabral 55 – Saúde

Muhcab – Museu da História e da Cultura Afro-brasileira

Recentemente reformado e localizado no prédio histórico do antigo Colégio José Bonifácio, o Museu da História e da Cultura Afro-brasileira possui um acervo de cerca de 2,5 mil itens, entre pinturas, esculturas e fotografias, além de trabalhos de artistas plásticos contemporâneos, que dialogam com o território da Pequena África. Integra a rede de museus da Secretaria Municipal de Cultura e serve de palco para tardes musicais regadas a quitutes no tabuleiro das baianas do acarajé. A Prefeitura – via Secretaria Municipal de Cultura – está mapeando todos os profissionais conhecidos como Baianas e Baianos de Acarajé. Uma delas é a Rosa Perdigão, que vende não só o famoso bolinho de feijão fradinho, mas também abará e cocadas.

Muhcab: Rua Pedro Ernesto 80 – Gamboa

Casa da Tia Ciata, misto de memorial e point do delicioso feijão de cabaça

A Casa é um centro cultural dedicado à preservação da memória da matriarca do samba Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata. A instituição é presidida pela bisneta de Tia Ciata, Gracy Mary Moreira, apresenta uma exposição com sua trajetória e organiza o circuito turístico “Caminhos da Tia Ciata – Matriarca do Samba”, uma visita guiada pelos principais pontos na Pequena África ligados ao nascimento do samba, em uma imersão ancestral por um caminho cercado de tradições, realizações, religiosidade, quitutes e samba. Oferece também oficinas de jongo, capoeira com maculelê, tambor e dança afro, além de um delicioso feijão na cabaça e ainda um time de baianas (e baianos) do acarajé.

Casa da Tia Ciata: Rua Camerino 5 – Saúde

Créditos:

CNN Brasil – Viagem & Gastronomia | Bruno Calixto

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